Tag Archives: Steven Pinker

Steven Pinker – Do que é feito o pensamento

SOBRE MÉTODOS DE CONTAGEM II

Lembre-se de que, além da capacidade universal humana de representar conjuntos de indivíduos, as pessoas conseguem acompanhar números exatos pequenos (até três ou quatro), e também conseguem estimar quantidades bem maiores, embora apenas de forma aproximada (esse era o sistema numérico por analogia documentado por Dehaene e Spelke em seu estudo com bilíngues e imagens do cérebro). Esses dois componentes da noção de número estão presentes em bebês e em macacos, e evidentemente em todas as sociedades humanas. Sistemas mais sofisticados capazes de contabilizar números exatos maiores aparecem mais tarde, tanto na história quanto no desenvolvimento infantil. Eles tendem a ser inventados quando uma sociedade desenvolve a agricultura, gera grandes quantidades de objetos indistinguíveis e precisa rastrear suas magnitudes exatas, em especial quando eles são negociados ou taxados.
[…]
Não é que seja impossível determinado tipo de linguagem se dissociar de determinado tipo de sociedade, circunstância que faria com que a hipótese whorfiana fosse por princípio impossível de pôr à prova. As línguas evoluem e divergem sob vários aspectos por causa da dinâmica interna de pronúncia e gramática e dos caprichos da história. Por essas razões, sociedades semelhantes podem ter tipos diferentes de idioma, como o húngaro e o tcheco ou o hebraico e o inglês. Para que o Determinismo Linguístico seja verdadeiro, essas diferenças tipológicas, sozinhas — e não nenhuma diferença correlacionada no tipo de sociedade —, teriam de canalizar os pensamentos das respectivas sociedades e falantes para direções diferentes. No exemplo que temos à mão, teria de haver povos impedidos de desenvolver o conjunto de práticas culturais que inclui contar por causa do acidente histórico de que sua língua por acaso não possuía palavras para números, enquanto povos semelhantes, que tiveram a sorte de falar uma língua com palavras para números, decolaram para a sofisticação matemática. No mundo real, a história mostra que, quando as sociedades ficam mais organizadas e complexas, seja por si sós ou sob a pressão de vizinhos, rapidamente desenvolvem ou tomam emprestado um sistema de contagem, independentemente do seu tipo de língua.

© Steven Pinker – Do que é feito o pensamento (excerto) – Companhia das Letras

Steven Pinker – Do que é feito o pensamento

SOBRE MÉTODOS DE CONTAGEM I

A alegação mais descarada do Determinismo Linguístico nos últimos anos é o estudo de Peter Gordon sobre a noção de números num povo amazônico. Como já lemos, Gordon defendeu a “versão mais forte” da hipótese whorfiana, e foi assim que o estudo foi descrito pela imprensa em 2004. A tribo pirahã, do Brasil, como muitos outros povos caçadores e coletores,  conta apenas com três palavras para números, que significam “um”, “dois” e “muitos”. Mesmo essas são usadas de forma imprecisa, mais ou menos como a expressão em inglês a couple, que tecnicamente se refere a dois, mas que é  muitas vezes usada para outros números pequenos.
[…]
Antigamente, eu ficava estupefato com a prevalência de sistemas de contagem “um, dois, muitos” entre povos iletrados, até que perguntei ao antropólogo Napoleon Chagnon (que tinha estudado outra tribo amazônica, os ianomâmis) como eles surgem. Ele disse que em seu dia-a-dia os ianomâmis não precisam de números exatos porque seguem os objetos como indivíduos, um por um. Um caçador, por exemplo, reconhece cada uma de suas flechas e, portanto, sabe se uma está faltando sem ter de contá-las. É o mesmo costume mental que faria a maioria de nós ter de parar para pensar se alguém nos perguntasse quantos primos de primeiro grau temos, ou quantos eletrodomésticos temos na cozinha, ou quantos orifícios temos na cabeça.

© Steven Pinker – Do que é feito o pensamento – Companhia das Letras

Steven Pinker – Do que é feito o pensamento

SOBRE DEBATES INTELECTUAIS E GARRAFAS DE VINHO

Qualquer pessoa que participe de debates intelectuais passa a reconhecer as táticas, as tramas e os truques sujos que os debatedores usam para confundir o público quanto os fatos e a lógica não estão a seu favor. Há o apelo à autoridade (“Spaulding diz isso, e ele tem um Prêmio Nobel”), a atribuição de motivos (“Firefly só está querendo chamar a atenção e conseguir dinheiro”), xingamentos (“A teoria de Driftwood é racista”) e a difamação por associação (“A Hackenbush é financiada por uma fundação que já financiou nazistas”). Talvez a mais conhecida seja a montagem e a destruição de um espantalho, um estratagema tão versátil que às vezes fica difícil imaginar como a vida intelectual sobreviveria sem ele.

A beleza do espantalho é que ele pode ser usado de inúmeras maneiras. A mais trivial é a luta de boxe com o espantalho, em que se substitui um oponente formidável por um simplório facilmente derrotável. Mas existe também o espantalho bifásico: primeiro monte a efígie, depois admita que afinal ela não é tão irreal assim, mas arme essa admissão como uma capitulação a suas críticas devastadoras. E há também o  espantalho do sacrifício, útil quando se teme estar nas beiradas da respeitabilidade: monte uma versão fanática da teoria de alguém, depois se distancie dela para comprovar sua moderação. É a mesma estratégia que os vendedores de vinho usam quando põem uma garrafa de preço exorbitante em cada prateleira. Eles sabem que compradores inseguros gravitam para a média, portanto, se houver uma garrafa de cem dólares à mostra, eles vão comprar a de trinta dólares, ao passo que, se a garrafa mais cara custasse trinta dólares, eles se contentariam gastando dez.

© Steven Pinker – Do que é feito o pensamento – Companhia das Letras

Steven Pinker – Do que é feito o pensamento

Caro Amigo Branco
Quando nasço sou preto
Quando cresço sou preto
Quando adoeço sou preto
Quando saio no sol sou preto
Quando tenho frio sou preto
Quando tenho medo sou preto
E quando morro sou preto.

Mas você, amigo branco
Quando nasce é rosa
Quando cresce é branco
Quando adoece fica verde
Quando sai no sol fica vermelho
Quando tem frio fica azul
Quando tem medo amarela
E quando morre é cinza
E tem a cara-de-pau de dizer que eu é que sou de cor?

© Steven Pinker – Do que é feito o pensamento – Companhia das Letras – poema passado a Steven Pinker por Saroja Subbiah, e que circulou entre os funcionários maoris em um prédio do governo neozelandês. Da polissemia das palavras para cores.

Steven Pinker – Toward A Consilient Study Of Literature

THE EVOLUTION OF THE ART

[…]
I sense that most people involved with the arts want them to be an adaptation because they feel it would somehow validate or ennoble the arts — perhaps even protect them against budget-conscious politicians seeking to cut them from school curricula. Part of the problem is an ambiguity in the word itself. In the common vernacular, “adaptive” is a good thing; it means “healthy, clever, well-adjusted.” In the biologist’s technical sense, though, it refers only to a trait that evolved because, compared to alternative versions of the traits, it increased the rate of reproduction of an organism’s ancestors. Biological adaptations need not be praiseworthy by human standards. Quite the contrary. As symons has pointed out, a willingness to commit genocide may very well be an adaptation, whereas the ability to read almost certainly is not. The arts could be evolutionary by-products, and be among the most valuable human activities for all that.
To demonstrate that X is an adaptation, one can’t simply show that people like doing X, or that good things happen when people do X. This is circular; a restatement of the fact that people tend to do X. Instead, one has to show — independently of anything we know about the human behavior in question — that X, by its intrinsic design, is capable of causing a reproduction-enhancing outcome in an environment like the one in which humans evolved. This analysis can’t be a kind of psychology; it must be a kind of engineering—an attempt to lay down the design specs of a system that can accomplish a goal (specifically, a subgoal of reproduction) in a particular world (specifically, the ancestral environment). with these design specs in hand, one can then compare the specs against the facts of the human drive or talent we are trying to explain. The closer the design specs match the empirical facts about human beings, the more confidence we have that the trait in question is an adaptation.
[…]
What about the arts? We can immediately see that any supposed function that appeals only to the effects we observe post hoc in people won’t cut it. Perhaps singing lullabies soothes babies; perhaps dancing relieves tension; perhaps shared stories bond the community. The question is, why would anyone have predicted, a priori, that people would be constituted in such a way that these things would happen? What exactly is it about a sequence of tones in certain rhythmic and harmonic relations that would lead a baby to ease up on its demands for parental attention (compared to any other signal), and what’s in it for the baby? In the case of fiction, why should communally recounted falsehoods about characters and events that never occurred make people any more attached to one another than they would otherwise find it in their interests to be? it’s not that these questions are necessarily unanswerable, but they do need answers, and the answers cannot simply repeat what we already know about people’s tendency to produce and consume works of art.
Appealing to this logic, i proposed that many of the arts may have no adaptive function at all. They may be by-products of two other traits: motivational systems that give us pleasure when we experience signals that correlate with adaptive outcomes (safety, sex, esteem, information-rich environments), and the technological know-how to create purified and concentrated doses of these signals (such as landscape paintings, erotica, or hero stories). fiction may be, at least in part, a pleasure technology, a co-opting of language and imagery as a virtual reality device which allows a reader to enjoy pleasant hallucinations like exploring interesting territories, conquering enemies, hobnobbing with powerful people, and winning attractive mates. Fiction, moreover, can tickle people’s fancies without even having to project them into a thrilling vicarious experience. There are good reasons for people (or any competitive social agent) to crave gossip, which is a kind of due diligence on possible allies and enemies. fiction, with its omniscient narrator disclosing the foibles of interesting virtual people, can be a form of simulated gossip.
[…]
The literary scholar and nabokov expert Brian Boyd presents an incisive overview and critique of evolutionary theories of art (including mine) and a defense of his own favorite: that art is no by-product, but has the dual function of fostering social cohesion (an idea he credits to the scholar Ellen Dissanayake) and of engaging attention. Boyd rightly criticizes an alternative theory of the function of arts from the psychologist Geoffrey Miller in which art is a costly signal of the neural fitness of the artist, a kind of cognitive peacock’s tale. Boyd points out that this theory falsely predicts that art should be produced and consumed primarily in the context of courtship. I agree with the criticism, though it must be said that Miller’s theory at least passes the test of being a logically coherent, noncircular adaptationist hypothesis. The same cannot be said for the social-cohesion theory, because we have been given no a priori reason to predict that the sharing of imaginary events would be an efficacious way for the members of a social species to stay together (compared to drawing circles in the air, reciting prime numbers, banging elbows, and so on) — other than that we know that our species seems to do it that way. (To say nothing of the issues papered over by the assumption that “social cohesion” is an evolutionary desideratum, a problem i will return to.) a similar problem faces the suggestion that shared attention is the evolutionary function of fiction. It begs the question of what’s so adaptive about sharing attention, particularly attention to events that never happened, other than that people like to do it.
[…]

© Steven Pinker
Excerto. Artigo na íntegra em: Pinker, S. (2007) Toward a consilient study of literature (review of J. Gottschall & D. Sloan Wilson, “The Literary Animal: Evolution and the Nature of Narrative”). Philosophy and Literature, 31, 161-177.

Steven Pinker – Como A Mente Funciona

A TEORIA DO INVESTIMENTO PATERNO

Competição masculina e escolha feminina são ubíquos no reino animal. Darwin chamou a atenção para esses dois espetáculos, que batizou de seleção sexual, mas não conseguiu compreender por que deveriam ser os machos os competidores e as fêmeas as selecionadoras e não vice-versa. A teoria do investimento paterno resolve o enigma. O sexo que investe mais, escolhe; o que investe menos, compete. O investimento relativo, portanto, é a causa das diferenças entre os sexos. Tudo o mais – testosterona, estrogênio, pênis, vagina, cromossomos Y, cromossomos X – é secundário. Os machos competem e as fêmeas escolhem apenas porque o investimento ligeiramente maior em um óvulo – o que define ser fêmea – tende a multiplicar-se pelo resto dos hábitos reprodutivos do animal. Em algumas espécies, o animal todo inverte a diferença inicial do investimento entre óvulo e espermatozoide e, nestes casos, as fêmeas deveriam competir e os machos deveriam escolher. De fato, essas exceções provam a regra. Em alguns peixes, o macho incuba os filhotes numa bolsa. Em certos pássaros, o macho choca os ovos e alimenta os filhotes. Nessas espécies, as fêmeas são agressivas e cortejam os machos e estes selecionam cuidadosamente as parceiras.

© Steven Pinker – Como A Mente Funciona (excerto) – Companhia das Letras

Steven Pinker – Como A Mente Funciona

O PROCESSO EVOLUTIVO

Como um órgão complexo poderia evoluir gradualmente se apenas a forma final é útil? Com grande frequência, a premissa da inutilidade é absolutamente errada. Por exemplo, olhos parciais têm visão parcial, o que é melhor do que nenhuma visão. Mas às vezes a resposta é que, antes de um órgão ser selecionado para assumir sua forma atual, ele foi adaptado para alguma outra coisa, passando então por um estádio intermediário no qual realizava as duas funções. A delicada série de ossos do ouvido médio nos mamíferos (martelo, bigorna, estribo) começou como partes da articulação da mandíbula dos répteis. Os répteis muitas vezes sentem vibrações encostando a mandíbula no chão. Certos ossos servem tanto como articulação de mandíbula quanto como transmissores de vibrações. Isso preparou o terreno para que os ossos se especializassem cada vez mais como transmissores  de som, fazendo com que diminuíssem de tamanho e assumissem sua atual forma e papel. Darwin denominou “pré-adaptações” as formas iniciais, embora salientasse que a evolução não antecipa de algum modo o modelo do ano seguinte.

© Steven Pinker – Como A Mente Funciona (excerto) – Companhia das Letras